Mulheres na política e Covid-19: Ação sobre Auxílio emergencial para ex candidatas

Mulheres na política e Covid-19: Ação sobre Auxílio emergencial para ex candidatas

Visibilidade Feminina Acessos: 3932

Após ser procurada por ex-candidatas não eleitas que tiveram seus pedidos de auxílio emergencial negados indevidamente em maio, sob a justificativa de que seriam políticas eleitas, a Visibilidade requereu em maio ao TSE informações sobre o compartilhamento de dados com a DataPrev.

Assim, no dia 08 de maio, ajuizamos ação, juntamente com as ex-candidatas que tiveram seu benefício negado, Astrid Sarmento Cosac e Helen Cristina Buttignol Perrela, requerendo a este Colendo Tribunal Superior Eleitoral que nos informasse sobre a existência de convênio firmado com a Receita Federal ou outro órgão governamental para o fim específico previsto no §11, do art. 2º da Lei n.º 13.982/2020, e que tomasse as providências necessárias para esclarecer que a informação extraída do banco de dados da Justiça Eleitoral relativa ao resultado das eleições não permite aferir o exercício atual de mandato eletivo, tampouco o exercício de atividade remunerada.

A referida ação, atuada sob o 0600481-07.2020.6.00.0000, foi distribuída ao Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, que determinou em 12/05/2018 a extinção do feito na classe processual em que se encontrava, bem como sua transladação para o sistema SEI, com abertura de expediente próprio, sob o crivo da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido autuado no supracitado sistema sob. o nº 2020.00.000004155-0.

Também no dia 12/05/2020, encaminhamos ao Ministério Público Federal, por meio da Sala de Atendimento do Cidadão disponível em seu site, representação relatando a situação e pedindo providências para correção das falhas decorrentes da utilização equivocada das informações constantes na base de dados da Justiça Eleitoral. Tal representação, autuada sob o nº 102518100, segue em tramitação.

No dia no dia 13/05, recebemos, por meio da Certidão SE/TSE – 1324376, a informação do Excelentíssimo Sr. Ricardo Fioreze, então Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, de que foi feito contato com a Dataprev, responsável pela operacionalização do Auxílio Emergencial, a qual confirmou que efetivamente não estava sendo feita a diferenciação entre eleitos e não eleitos por seu sistema. Na ocasião, o Dataprev informou ao TSE que faria a alteração das regras de análise dos pedidos, bem como procederia à reavaliação dos requerimentos que tiveram negativa de Auxílio Emergencial em razão desse equívoco.

Entretanto, mesmo após a orientação dada pelo então Juiz Auxiliar da Presidência desta Colenda Corte à Dataprev, recebemos mensagens de inúmeras ex-candidatas e de alguns ex-candidatos relatando que, apesar da mudança no status da mensagem, a situação de inaptidão para o recebimento do Auxílio Emergencial permanecia a mesma.

Assim, em 3 de junho o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Min. Luiz Roberto Barroso, oficou à Dataprev para informar que "os bancos de dados da Justiça Eleitoral não devem ser usados para subsidiar análise do auxílio emergencial, como ocorreu no caso da negativa da renda extra a candidatos não eleitos."

 

Confira o texto do nosso requerimento na íntegra:

 

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) MINISTRO (A) DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

  

 REQUERIMENTO EM CARÁTER EMERGENCIAL - URGÊNCIA

 

 

                VISIBILIDADE FEMININA, associação privada sem fins lucrativos, com sede na Rua da Groelândia, nº 195, bairro Sion, Belo Horizonte – MG, neste ato representada por sua Diretora Presidente; ASTRID SARMENTO COSAC, brasileira, solteira, socióloga, portadora do RG 11.520.528, SSP – MG e do CPF 043.660.146-02, residente e domiciliada na Rua Leonildo Gonçalves Regado, nº 144, Parque Alto, Juiz de Fora – MG e HELEN CRISTINA BUTTIGNOL PERRELA, brasileira, solteira, estudante, portadora do RG 13274801 SSP – SP e do CPF 264.806.128-25, residente e domiciliada na Rua Getúlio Vargas, nº 723, casa A, Vila Operária, Diamantina – MG, por meio de suas procuradoras abaixo assinadas,  com procurações anexas, vêm, com acato e respeito, com fulcro no art. 1º, inciso III e art. 5º, XXXIV da Constituição da República, art. 2º, § 11, da Lei n.º 13.982/2020,  expor e requerer o que se segue:

 

A VISIBILIDADE FEMININA, associação sem fins lucrativos, tem por finalidade fomentar o protagonismo das mulheres nos espaços de poder públicos e privados, e contribuir para educação cívica de mulheres com vista à busca efetiva de seus direitos.

 

Nesse sentido, e em razão de nosso trabalho junto a grupos e coletivos de mulheres, recebemos das requerentes a informação de que ex-candidatas estão tendo o benefício de Auxílio Emergencial do Governo Federal, estabelecido pela Lei nº. 13.982/2020, negado sob alegação de que exercem mandato eletivo e estariam vinculadas ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), o que não corresponde à realidade.

 

ASTRID SARMENTO COSAC concorreu nas eleições de 2016 e 2018 como vereadora e deputada estadual, respectivamente, mas não obteve votos suficientes para se eleger em nenhum dos pleitos. Como é chefe de família, mãe de duas filhas e está atualmente desempregada, solicitou o auxílio emergencial. Entretanto, após longo prazo de espera teve o benefício negado sob o argumento de que estaria vinculada ao Regime Próprio da Previdência Social e em exercício de mandato eletivo (documentos anexos).

 

HELEN CRISTINA BUTTIGNOL PERRELA também concorreu nas eleições de 2016 e 2018 como vereadora e deputada estadual e não se elegeu. Autônoma, com a pandemia ficou impedida de prestar serviços e foi obrigada a requer o auxílio emergencial. Contudo, também teve o benefício negado sob a justificativa de que estaria vinculada ao Regime Próprio da Previdência Social e em exercício de mandato eletivo (documentos anexos).

 

Estamos identificando vários casos como os de  Astrid Sarmento Cosac  e Helen Cristina Buttignol Perrela. Tratam-se de mulheres que se candidataram nas eleições municipais de 2016 e gerais de 2018, mas não ocupam mandatos eletivos. São suplentes e não recebem remuneração, de forma que nos causou grande estranheza constatar que a simples condição de suplência possa ter impedido o acesso ao benefício do Auxílio Emergencial.

Noutro giro, vale dizer que a Lei n.º 13.982/2020 estabeleceu para o recebimento do auxílio emergencial algumas condicionantes, dentre as quais não se insere a vedação a participação em pleitos eleitorais[1].

 Desta forma, considerando que, segundo relatos e documentos anexos, mulheres ex-candidatas não estão conseguindo acessar o Auxílio Emergencial sob a justificativa equivocada de que exercem mandato eletivo e estariam vinculadas ao RPPS;

 Considerando que o objetivo principal da Lei 13.982/2020 é corrigir defasagens de renda de trabalhadores e trabalhadoras em situação de vulnerabilidade, com adoção de medidas excepcionais de proteção social durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da Covid-19;

 Considerando que as medidas são também urgentes, para que possam ser de fato eficazes na finalidade a que se destinam;

 Considerando que os dados envolvendo registro de candidatura e declaração de eleição e suplência somente podem ser obtidos através dos sistemas gerenciados pelo Justiça Eleitoral, e que a interpretação equivocada de tais dados pode estar impondo um obstáculo real para famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade acessarem o benefício;

 Considerando que a emergência sanitária tem demonstrado produzir efeitos mais perversos nos grupos sociais economicamente mais frágeis e que o impedimento de acesso ao Auxílio Emergencial pode resultar em pobreza extrema, fome e consequente descumprimento das medidas de isolamento social, contribuindo para o aumento do contágio e ampliação do número de mortes;

 

Considerando que as mulheres se inserem nesse grupo de fragilidade social, não somente pela perspectiva econômica e pela responsabilidade familiar (reconhecida pela lei no caso de famílias monoparentais[2]), mas também pela perspectiva democrática  eleitoral, eis que a sub-representação política é um dado e uma preocupação da Justiça Eleitoral, o que se extrai de sua atuação interna e nos seus julgados;

 Considerando que a lei que instituiu o Auxílio Emergencial determina que as informações para análise do pedido de auxílio devem ser fornecidas pelos órgãos públicos (§11, do art. 2º da Lei n.º 13.982/2020[3]);

 Considerando que o requerimento de auxílio exige do solicitante a apresentação de declaração informando que não ocupa cargo público e informações desta especializada têm sido utilizadas de forma inadequada para tomar como falsas as declarações apresentadas;

 Considerando que as interpretações realizadas pela Receita Federal dos dados da Justiça Eleitoral gerando impedimentos e dificuldades às mulheres que já se candidataram, mas não foram eleitas podem implicar em um maior afastamento das mulheres da esfera política;

 Considerando a urgência das pessoas em estado de fragilidade e vulnerabilidade social no período da pandemia em receber o Auxílio Emergencial criado pela Lei n.º 13.982/2020;

 Requer-se deste Colendo Tribunal que:

 

  1. Elucide se existe algum convenio firmado com a Receita Federal ou outro órgão governamental para o fim específico previsto no §11, do art. 2º da Lei n.º 13.982/2020;
  2. Adote providências para esclarecer e dê ampla divulgação, com a máxima urgência, ao fato de que a informação extraída do banco de dados da Justiça Eleitoral relativa ao resultado das eleições não permite aferir o exercício atual de mandato eletivo, tampouco o exercício de atividade remunerada.

 

Nestes termos, pedem deferimento.

 

Belo Horizonte, 08 de maio de 2020.

 

Carolina Lobo

OAB MG 152.921

 

Paula Bernardelli

OAB SP 380.645

 

Nicole Gondim Porcaro                                                     

 OAB MG 173.038     

                                               

Jéssica Holl

OAB MG 183.676

 

[1] Art. 2º Durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, será concedido auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais ao trabalhador que cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:

I - seja maior de 18 (dezoito) anos de idade;

II - não tenha emprego formal ativo;

III - não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado, nos termos dos §§ 1º e 2º, o Bolsa Família;

IV - cuja renda familiar mensal per capita seja de até 1/2 (meio) salário-mínimo ou a renda familiar mensal total seja de até 3 (três) salários mínimos;

V - que, no ano de 2018, não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos); e

VI - que exerça atividade na condição de:

  1. a) microempreendedor individual (MEI);
  2. b) contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social que contribua na forma do caput ou do inciso I do § 2º do art. 21 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; ou
  3. c) trabalhador informal, seja empregado, autônomo ou desempregado, de qualquer natureza, inclusive o intermitente inativo, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) até 20 de março de 2020, ou que, nos termos de autodeclaração, cumpra o requisito do inciso IV.

  

[2] Art. 2º (...)

[3] § 11. Os órgãos federais disponibilizarão as informações necessárias à verificação dos requisitos para concessão do auxílio emergencial, constantes das bases de dados de que sejam detentores.

 

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